segunda-feira, 28 de março de 2011
Revista Época: O novo espírito nos filmes
“O filme de temática espírita veio para ficar”, afirma Luís Eduardo Girão. A frase é mais aposta que análise. Girão é diretor da Estação da Luz Filmes, produtora responsável por Bezerra de Menezes – O diário de um espírito, de 2008, um filme despretensioso que passou de meio milhão de espectadores e abriu as portas da percepção para o sucesso comercial de que o gênero é capaz. Depois dele, a Estação coproduziu o blockbuster Chico Xavier, o filme, visto por 4 milhões de pessoas. E agora traz As mães de Chico Xavier, que estreia nesta sexta-feira, 1º de abril.
As mães de Chico Xavier conta a história de Ruth (Via Negromonte), cujo filho, drogado, se suicida; Elisa (Vanessa Gerbelli), cujo filho de 5 anos morre num acidente; e Lara (Tainá Muller), que lida com a gravidez indesejada. A dor das protagonistas é suavizada pelo contato com o médium e suas cartas psicografadas do além. O roteiro, de Emanuel Nogueira e Glauber Filho (também diretor, junto com Halder Gomes), foi livremente inspirado no livro Por trás do véu de Ísis, de Marcel Souto Maior, autor da biografia de Chico Xavier. O filme é uma reportagem sobre a psicografia, com menos investigação e mais drama.
Girão não é o único que aposta no sucesso espírita. Distribuído pela Paris Filmes, com orçamento de R$ 3,8 milhões, o filme As mães de Chico Xavier estará em 400 salas do país – um espaço de blockbuster, 50 a mais que o maior sucesso nacional do verão, De pernas pro ar. A aposta parece tão segura que ele já não está sozinho.
O sucesso espírita Nosso lar, do ano passado, é um exemplo. Em outubro, vem aí outro candidato a campeão de bilheteria, O filme dos espíritos. Roteirizado, produzido e dirigido pelo jornalista paulistano André Marouço, é baseado em alguns capítulos do Livro dos espíritos, base da doutrina espírita, escrito por Alan Kardec em 1857. Cinco capítulos foram transformados em dramaturgia e entrelaçados numa linha central, do protagonista Bruno Alves, um homem que perdeu o emprego e a mulher e pensa em suicídio.
A Mundo Maior Filmes, produtora de O filme dos espíritos, é um braço da Fundação Espírita André Luiz, que faz trabalhos beneficentes em São Paulo. A Estação da Luz também tem origem numa entidade espírita: a ONG de mesmo nome que faz ações sociais no Ceará. “Ao lado do entretenimento, existe um objetivo de divulgar a doutrina a partir do sucesso desses filmes. Mas eu não chamaria essa tendência de espírita, e sim espiritualista”, diz Marouço.
Talvez. Mas, no fim do ano passado, esperava-se uma grande bilheteria para o filme de tema católico Aparecida – O milagre, de Tizuka Yamazaki, estrelado pelo galã de TV Murilo Rosa. Previa-se o início de uma safra de produções de temas católicos. Só que o estimado público de 1 milhão de pessoas não se materializou. Houve menos de um quarto desse número. Tizuka argumentou que talvez tenha lhe faltado o trunfo da temática espírita: a vida depois da morte, o desconhecido: “Os dogmas católicos já foram discutidos à exaustão, fazem parte da infância da maioria dos brasileiros. As questões espíritas ainda são pouco compreendidas e resultam em grande curiosidade”.
Uma nova tentativa de filme católico ocorrerá nos próximos anos, com a biografia da freira brasileira Irmã Dulce, beatificada no ano passado. Em fase de pesquisa, o filme será produzido pela Migdal Filmes, a mesma de Nosso lar. “Uma história centrada na incrível figura de Irmã Dulce tem tudo para fazer sucesso. Estamos trabalhando muito para que saia um roteiro original à altura da vida dela”, diz Iafa Britz, dona da Migdal. E, como a provar que as temáticas espírita e católica não são excludentes, ela também trabalha na produção de Nosso lar 2, que deverá estar nas telas em 2013. É difícil dizer qual é a eficácia dos filmes religiosos para propagar a fé. Eles parecem atrair principalmente quem já é devoto. Mas é a fé no cinema nacional que o fenômeno está contribuindo para fortalecer. No ano passado, os filmes espiritualizados ajudaram a elevar em 32% a bilheteria dos cinemas – e a produção nacional conquistou 19% do mercado.
Nelson, o Chico encarnado
Se o cinema espírita brasileiro tem um “muso”, é Nelson Xavier. O ator, que em agosto completará 70 anos, viveu o papel do médium Chico Xavier no filme que conta sua vida, no ano passado, e agora repete o mesmo personagem em As mães de Chico Xavier. Também está em O filme dos espíritos, embora desta vez com um papel diferente: o de um psiquiatra que cuida do protagonista, um suicida. Até começar a filmar Chico Xavier, o filme, Nelson se classificava como ateu. Apesar de ter mãe espírita, nunca se ligou a nenhuma religião. Há cerca de oito anos, o ator recebeu a biografia do médium, de Souto Maior. Junto com a obra veio um bilhete do autor, dizendo que gostaria que Nelson interpretasse Chico, no caso de ser feito o filme sobre sua vida. Dois anos depois, veio o convite do diretor Daniel Filho.
O diretor de As mães de Chico Xavier, Glauber Filho, diz que hesitou em escolher Nelson Xavier para viver, de novo, o papel do médium mineiro. “Depois percebi que ele é o único ator capaz de interpretar o Chico com fidelidade”, afirma. O diretor conta uma história curiosa: quando Chico Xavier, o filme, entrou em cartaz, ele acreditava que o ator já tinha vivido o papel na TV, tamanha a identificação com o personagem. Nelson Xavier, que já fez mais de 80 personagens na TV e no cinema, entre eles o cangaceiro Lampião e Pedro Arcanjo de Tenda dos milagres, diz que experiências nas filmagens da biografia do médium mudaram sua vida. “Sinto a presença de Chico quando faço seu papel”, diz.
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